Uma saída para a saída que todos conhecem

Processo de turnaround é o alicerce por trás dos planos de reestruturação apresentados aos credores durante uma Recuperação Judicial.

Dados recentes divulgados pela Serasa Experian apontam para um cenário preocupante: nos três primeiros meses de 2023, o número de empresas que entraram com pedido de Recuperação Judicial foi 37,6% maior na comparação com o mesmo período de 2022. Somente no mês de março de 2023, o número de RJs requeridas no Brasil foi 6,8% maior do que o registrado no mesmo período do ano passado. Foram 94 pedidos neste ano, ante 88 em 2022. No total, 60 pequenas empresas, 23 negócios de médio porte e 11 grandes companhias buscaram a justiça para ganhar fôlego na renegociação de suas dívidas.

Os números indicam que as dificuldades impostas pela retração da economia em diversos mercados, e pelas altas taxas de juros praticadas no Brasil, têm cobrado seu preço. A fatura chegou e está difícil para o empresário pagar a conta. Diante de uma situação de falência iminente, a RJ é, muitas vezes, vista como única saída.

É importante entender, no entanto, que esse recurso, por si só, não garante a continuidade do negócio. A Recuperação Judicial pode ser uma saída legal para a falência, mas é preciso que se busque uma saída prática e eficiente para a própria RJ.

As 94 empresas que em março entraram na Justiça para buscar a renegociação de suas dívidas ganharam uma sobrevida ­— em razão da suspensão legal das execuções contra elas garantida pela Lei 11.101/2005. Mas isso não quer dizer que sua sobrevivência está garantida. Elas terão tempo para se reorganizar, mas certamente precisarão se reinventar para honrar a proposta que deve ser apresentada na assembleia de credores. Nesse contexto, será preciso colocar em prática um sólido programa de reestruturação de todo o negócio — conhecido no mercado como turnaround.

A boa notícia é que o programa de reestruturação pode ser, por si só, a saída de que as empresas precisam para a crise. E, se for colocado em prática em tempo, pode até evitar a judicialização dessa questão. Isso ocorre porque o turnaround tem dupla função e pode ser tanto o alicerce quanto a solução para a recuperação judicial. E o motivo para a aposta na reestruturação é simples: os modelos de gestão brasileiros estão em sua maioria defasados, e uma visão externa é considerada menos passional para realizar as mudanças que precisam ser feitas.

O que observamos nestes quase 29 anos de mercado é que os empresários que deram origem aos negócios e criaram, após anos de empenho, grande empresas de indústria ou comércio, acabam naturalmente criando um envolvimento emocional com a empresa que, muitas vezes, prejudica a visão real sobre o mercado e sobre o negócio. Uma equipe externa de consultores é capaz de avaliar o que realmente precisa ser mudado.

É importante ressaltar que o turnaround precisa ser conduzido por uma equipe multidisciplinar ­— formada por administradores, contadores, economistas, profissionais de logística, de marketing, de planejamento estratégico e de estratégia empresarial, para citar somente algumas áreas fundamentais.

O turnaround reorganiza e repensa todo o negócio, por isso é considerado um conceito diferente — e bem mais abrangente — do que aquele trazido pela consultoria tradicional. Todas as áreas do negócio em crise são avaliadas por especialistas, e são raros os casos em que algum setor escapa da sugestão de melhorias.

Em geral os recursos escapam por onde o empresário menos imagina. Há vícios nos processos que comprometem as margens no dia a dia. Quase todas as empresas têm setores pouco produtivos e demandas salariais que já não se justificam. E são esses pontos que devem ser observados com mais atenção.

Diante dos números divulgados pela Serasa Experian, é inegável que estamos diante de um momento de incertezas e de dificuldades. E, nesse contexto, o setor de varejo é o que mais deve ser afetado pela crise. Trata-se de um ramo de atividades que tem no valor de aluguéis, por exemplo, um importante custo fixo — e que precisa de um grande giro de mercadorias para ser superavitário.

A recuperação da economia está ocorrendo de forma gradual, mas como muitos empresários contraíram dívidas a juros altos para honrar os compromissos, é preciso atenção a todos os aspectos do negócio. E essa atenção multidisciplinar é exatamente o que o processo de turnaround oferece.

Elias Azevedo é CEO da Ejafac, consultoria boutique que já recuperou mais de 70 empresas no Brasil e está há quase 30 anos no mercado. Antes de abrir sua própria consultoria, Elias Azevedo foi executivo por mais de 15 anos de empresas como Bombril e Grupo Beto Carreiro.

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